quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Independência ou Morte!

por Ana Raquel


Sou uma pessoa de misticismos muito particulares. Tenho minhas manias, uma definição de Deus extremamente particular, que já tentei definir para algumas pessoas, mas geralmente me pego perdida e confusa dentro do meu próprio discurso. Sou independente por natureza ou talvez pelas circunstâncias do meu nascimento.


Sou a filha do meio. Fui planejada pelos meus pais, assim como meus dois irmãos. Minha mãe sempre usou a tabela para evitar a concepção e milagrosamente e excepcionalmente, funcionou muito bem para ela. Minha irmã mais velha veio muito festejada. Eu, no entanto, apesar de bem recebida, fui uma decepção. Rsrsrsrs... Meu pai queria o homem, que jogaria pelada na rua com ele. Como sempre, meu pai muito prático e se adaptando a situação, fez de mim seu menininho até os quatro anos de idade, que foi quando meu irmão nasceu. Até os quatro anos, jogava futebol na rua, soltava papagaio, andava sem camisa e tinha os cabelos curtos estilo “Joãozinho”. Houve até um episódio em que um amigo do meu pai levou seu filho para brincar em nossa casa e, depois de passar a tarde inteira brincando comigo, o menino virou-se para o pai e disse: “Pai, por que todo mundo chama esse menino de Raquel?”. Essa é uma piada velha em minha casa. Meu pai repete essa frase rindo até hoje.


Bom, o que aconteceu após o meu irmão nascer, era o esperado... Fui deixada de lado. Há uma diferença de quatro anos entre minha irmã e eu. O que agora não representa muito, mas para infância é um intervalo grande. A partir daí começou o meu processo de independência. Brincava sozinha, pois meu pai, que era policial, sempre teve medo da violência de uma maneira traumatizante. Então, eu não podia brincar na rua com os vizinhos, como era habitual no meu bairro. Acredito que a partir daí, defini também minha profissão. Instintivamente montei um laboratório nos fundos da minha casa. Fazia experimentos com insetos e adorava preparar “venenos” e criar estórias de contos de fada que ficavam apenas na minha cabeça. Perseguia caramujos e casulos de borboletas. Virei bióloga e hoje sou pesquisadora. Passo os dias em um laboratório, exatamente como na minha infância. Gosto da independência e a persigo desde a adolescência.


Nunca houve muita informação na minha casa. Meus pais extremamente tradicionais, não se sentiam a vontade para discutir assuntos de sexualidade com os filhos. A curiosidade, que é óbvia em minha personalidade, foi que se encarregou de me levar às informações necessárias. Perdia aulas no colégio entre as estantes da biblioteca, procurando informações sobre sexo, corpo humano ou qualquer outro assunto que despertasse o meu interesse. Tanto que, sentindo-me senhora de tudo e muito esperta, não contei para ninguém quando menstruei. Fui à farmácia e comprei meu absorvente sozinha aos 12 anos. Apenas não contava com um problema... Tive uma descamação contínua do útero, o que fez com que minha menstruação durasse mais de 20 dias. Comecei a achar estranho que meu fluxo durasse mais do que eu havia pesquisado e resolvi contar a minha mãe. Ela assustadíssima levou-me à ginecologista, mas eu já estava com uma anemia bem acentuada. E assim foi meu primeiro contato com a pílula. O tratamento para suspensão da menstruação foi a pílula, além de muitas cápsulas de complexos vitamínicos e bife de fígado por um bom período (não suporto nem sentir o cheiro até hoje).


Assim como a menstruação veio sem qualquer conversa com minha mãe, veio também o início da vida sexual. Fiz sexo despreparada e sem vontade devido à pressão que meu namorado na época fez sobre mim. FOI HORRÍVEL!!! Após a experiência, senti-me tão mal que terminei o namoro. Só resolvi fazer sexo novamente depois de dois anos, completamente apaixonada. FOI EXCELENTE!!! Rsrsrsrs. Seguindo o padrão de me virar sozinha, marquei uma consulta com a ginecologista e pedi a prescrição da pílula.


Desde os 18 anos tenho tido uma ótima relação com a pílula. Nunca sofri efeitos colaterais. Aliás, a pílula foi um remédio em um segundo momento da minha vida, quando fui diagnosticada com ovários policísticos. Após alguns meses de tratamento com uma pílula com uma dosagem um pouco maior de hormônios, fiquei livre dos cistos. Namoros, casamento... Vieram e foram. Mas, a pílula continuou minha aliada nesta busca pela independência.

7 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Adorei! E fiquei pensando como essas brincadeiras infantis - tais como criar um laboratório no fundo de casa (pra autora) ou um escritório de leitura-e-escrita (pra mim) são, ao mesmo tempo, indício e promessa das escolhas que faremos (ou já fizemos?) profissionalmente. É como dirá Antoine Compagnon: o ler e escrever (ou o isolar e cultivar do laboratório) são os substitutos dos nossos jogos infantis de recortar e colar.

    Parabéns, Kelsh.
    Denis Leandro.

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  3. Ana Raquel,

    parabéns! Já conhecia a maior parte dos "causos" relatados, mas foi muito gostoso lê-los, seu estilo literário é adorável. Fiquei curioso para saber sobre sua definição de DEUS. Taí uma boa desculpa para um chopp quando estiver em bh.

    Beijos!

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  4. Pois é, irmã... De um jeito ou de outro, nosso caminho foi o mesmo: a busca pela liberdade. Ainda bem que conseguimos!

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  5. Querido Denis,

    muito obrigada pelo comentário. Com certeza já conversamos sobre nossas escolhas. O tempo passa e nossas análises e pistas que estavam escondidas no passado vão surgindo. Muito obrigada, amigo irmão! Beijos da Quel.

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  6. Oi Gustavo,

    vou tentar organizar melhor minhas idéias. Assim tentarei não ser muito confusa! Obrigada pela visita.
    Bjs,
    Quel.

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  7. Sabe irmã...
    Acho essa busca não acaba nunca. Todo dia a gente consegue um pouco. Muita saudade de vc!
    Bjão,
    Quel.

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