Um numeroso e pouco conhecido exército de guerrilheiras, oficiais, pilotos e atiradoras de elite, todas fortemente engajadas – e armadas – nas batalhas deflagradas pela Segunda Guerra Mundial, é agora retratado em textos e raras imagens no livro “Mulheres na Guerra” (Larousse), do historiador francês Claude Quétel. Ele escreveu sua obra a partir de estudos sobre o assunto que vêm sendo produzidos desde a década de 1970 (a publicação inclui uma rica bibliografia) e lança um novo olhar sobre a participação das mulheres no conflito. Sua tese é de que a historiografia moderna relega a atuação feminina a um segundo plano e seu objetivo é mostrar que ela esteve presente em todas as dimensões da guerra. Quétel recupera a biografia de importantes personalidades desse período cujas trajetórias foram esquecidas ou nunca documentadas: “As mulheres veem a sua história dissolvida na história dos homens.” Numa das fotos incluídas nesse livro estão duas militares fazendo tricô diante de seus furgões blindados do Exército francês – emblemática da habilidade feminina de se desdobrar das agulhas às armas. O tricô das oficiais do século XX não tem nada do romantismo da mitológica Penélope, que tece enquanto espera o futuro marido chegar de suas homéricas batalhas. Elas tricotam no front e estão a postos no conflito de Garigliano, na Itália.
Entre os personagens destacados no livro está a belga Odette de Blignières, jovem de uma família aristocrática que trabalhou como manequim da Maison Chanel antes de entrar para um grupo internacional de resistência à ocupação alemã. Em 1942, ela contribuiu com transporte e munição para que soldados aliados fugissem pelos Pirineus e alcançassem Londres viajando pela Espanha. Também militou no movimento antifascista italiano ao lado de outras mulheres. Conhecida como a “ciclista que detonava explosivos”, a química francesa Jeanne Bohec foi escalada para trabalhar na confecção de armas de sabotagem. Além de fabricá-las, ela as utilizava para detonar ferrovias e cumpria sua missão in loco de bicicleta. Em 1944, ela estava no grupo que resistiu a um ataque alemão em Saint- Marcel. Jeanne sobreviveu e recebeu honrarias militares ao final da guerra. Outra francesa, Georgette Gérard, entrou para o grupo de Resistência de Lyon e atuou no movimento Combat. Em 1943, ela era a capitã de um grupo de cinco mil guerrilheiros divididos em 120 acampamentos localizados em florestas. Para “inspirar confiança”, se fazia passar por um oficial e se autodenominava “comandante Gérard”. Poucos subordinados sabiam que se tratava de uma mulher.
Em Berlim, uma extraordinária manifestação de caráter antinazista foi protagonizada por mulheres. E deu certo. O protesto de Rosenstrasse envolveu centenas de alemãs casadas com judeus, que reivindicavam a libertação de seus maridos. Após uma semana de intensos motins, Joseph Goebbels libertou cinco mil berlinenses de origem judaica. “O ódio político das mulheres é extremamente perigoso”, teria dito Adolf Hitler. Na União Soviética, onde o alistamento militar feminino já ocorria desde 1925, eram muitas as soldados e atiradoras que assumiam a linha de frente do Exército soviético. Uma delas foi Luba Makarova, atiradora de elite, que ilustra a capa do livro. Ela participou da conquista de Berlim, ao final da guerra, como capitã de um Exército formado por homens. Uma outra jovem soviética, integrante da Juventude Comunista, militou contra a invasão alemã a Moscou. Ativista de um grupo guerrilheiro, Zoia Kosmodemianskaia, 18 anos, organizava sabotagens às tropas alemãs e foi presa após colocar fogo em estábulos do inimigo.
Cruelmente torturada, ela foi enforcada e teve seu corpo exposto publicamente. Um repórter do jornal “Pravda” a fotografou e a imagem de Zoia e sua história a transformaram em “heroína da União Soviética”. Segundo Quétel, o fato serviu de motivação para o Exército Vermelho, que foi insuflado pelo slogan “patriótico”: “Matem o monstro nazista.” Além de narrar as histórias com leveza e sempre incluir um detalhe pessoal ou curioso no perfil de suas personagens, o autor também envereda por temas mais prosaicos. Conta, por exemplo, como a guerra determinou a moda do uso de turbantes e reproduz um relato da filósofa e escritora francesa Simone de Beauvoir, famosa adepta do adereço. Ela explica que as frequentes panes de eletricidade inviabilizaram o uso do penteado permanente (o mise-en-plis), e a crise de abastecimento fez desaparecerem os chapéus das lojas. Para não sair de “cabelos ao vento”, que era de mau gosto na época, adotaram-se turbantes. “Apeguei-me a eles definitivamente”, escreve Simone.
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