quarta-feira, 28 de julho de 2010

LIBERTAS QUÆ SERA TAMEN

por Cássia Juliana


A verdade é que a mulher continua sendo uma escrava da pressão social. Há 50 anos, a mulher conquistou sua liberdade sexual. Com poder de comando sobre a gravidez, pôde evoluir intelectual e profissionalmente. Como consequência, veio a liberdade financeira. Pronto. Poder-se-ia dizer que a mulher havia se tornado complemente livre. Certo? Errado.


Independentemente do nível social, econômico ou cultural, a mulher tem uma necessidade intrínseca de se espelhar em algo, para prestar contas à sociedade em que vive. Esse “algo” varia de acordo com o tipo de ambiente onde a mulher em questão cresceu. Pode ser tanto um padrão de beleza, como intelectual, ou, ainda, um padrão comportamental. Recuso-me a citar exemplos ligados à chamada indústria da beleza, porque não existe nada mais batido que isto. Portanto, vamos a situações menos exploradas: Quem não conhece uma mulher solteira que se vê obrigada a ser brilhante e super bem sucedida profissionalmente, pelo simples fato de ser solteira? Parece uma teoria da compensação, se você é solteira, tem que ser brilhante profissionalmente e ganhar rios de dinheiro. Há ainda, casos em que a mulher se obriga a levantar certas bandeiras simplesmente para explicar, ou melhor, para justificar a situação em que se encontra, por exemplo, a mulher casada e com filhos que, por questões financeiras, precisa abrir mão de certas vaidades, como salão de beleza e roupas da moda, para prover a família. Essa mulher comumente sai por aí pregando o quanto a maternidade é especial e “liberta” a mulher do apego a supérfluos. Será que essas mãezonas realmente pensam assim? Será que a maternidade tem o poder de privar a mulher de parte da sua feminilidade? Sinceramente, acho que não.


Em suma, no meu entender, a pílula trouxe sim liberdade, mas nós mulheres precisamos nos libertar de nossas próprias amarras, de nossos próprios preconceitos, para sermos felizes e plenas com o que temos e somos, independentemente do que dizem a sociedade, a mídia, o vizinho, a família etc. Digo tudo isso como mulher que, assim como tantas outras, cede às pressões sociais e levanta bandeiras embusteiras, porém, com a consciência de que este não é o caminho correto.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Prefiro ser esta metamorfose ambulante...

por Cássia Juliana


Advogar nunca foi a minha praia. Formei-me em Direito, primeiro porque detesto matemática, física e química, segundo porque, na época, Direito estava super na moda, era um dos vestibulares mais concorridos, então fui lá e fiz. Depois de formada, advoguei durante cinco longos anos, até decidir já ser hora de fazer algo que realmente me desse prazer. Fui estudar Teatro. Fiz o Curso de Formação de Ator, do Teatro Universitário da UFMG (TU), com duração de três anos, e posso dizer com segurança que, até o momento, foi a decisão mais acertada da minha vida.


No TU, descobri que preciso de beleza para viver. Não digo apenas beleza estética, mas, principalmente, beleza emocional e nada melhor que a arte para proporcionar isso. Feita a descoberta, chutei o balde e fui viver do teatro. Passei três belos anos viajando pelo Brasil, apresentando peças educacionais nos mais diversos lugares, para os mais diversos públicos. Como experiência de vida e realização de um sonho romântico foi maravilhoso, mas a vida real custa caro... Contas, contas e mais contas a pagar... Fiquei entre a cruz e a espada. Ou ganhar dinheiro para viver “bem”, ou viver bem, mas aos trancos e barrancos. Pensei: “De jeito nenhum. Quero as duas coisas. Viver ‘bem’ e bem”. Foi aí que bati o martelo. Passei em um Concurso Público e, à noite, tenho o meu Grupo de Teatro, minha “Caixa de Fósforos” querida, onde, juntamente com oito amigos maravilhosos, realizo todos os meus sonhos e desejos artísticos, enchendo minha vida da mais pura e verdadeira beleza.


Apesar de atualmente estar de bem com minha situação profissional, não considero esse capítulo encerrado. Prefiro sempre deixar o tema em aberto, para evitar o tédio.


Profissionalmente, vivo em dois mundos completamente diferentes. No meu trabalho como servidora pública, o ambiente é predominantemente feminino, quase não lido com homens. Já no teatro, os homens são maioria absoluta, sejam eles hetero ou homossexuais. Mas, pela própria natureza das duas instituições, no teatro posso ser muito mais feminina.


Sinto que o serviço público, assim como as empresas privadas, ainda que liderados por mulheres, nos impõem uma certa masculinização, sem a qual não conseguimos nos fazer respeitar plenamente, nem mesmo pelas outras mulheres. Essa é nada mais, nada menos, que uma herança machista, passada geração por geração.


Essa herança está tão arraigada em nós, que chega a ser inconsciente. Pode parecer piada, mas se prestarmos atenção, notamos no dia-a-dia exemplos clássicos de preconceito machista, partindo não só de homens, mas também de outras mulheres e, muitas vezes, até de nós mesmas. Quem de nós já não deu pouco crédito a uma profissional, seja de que área for, pelo simples fato da fulana ser muito bonita? Ou até o contrário, como o caso de superestimarmos as qualidades profissionais de uma beltrana, porque a tal era feinha?


O fato é que essas teorias preconceituosas são total e completamente furadas. A mulher atual zela por sua qualidade profissional, com o mesmo apreço que zela por sua aparência. Não existe mais esta história de mulher que opta por ser bonita ou ser inteligente. O estilo Marilyn Monroe está mais que ultrapassado.


Quando sentirmos que estamos sendo respeitadas, temos que pensar a que custo estamos recebendo tal respeito. Do que estamos abrindo mão, para sermos levadas a sério.


Nesses 50 anos de pílula, foram muitas vitórias, muitos progressos, mas ainda há muito a se conquistar. Como em todos os outros aspectos da vida, não podemos nos acomodar e deixar a correnteza levar o barco, temos que continuar remando, sempre e sempre, em direção à liberdade.


Respeito de verdade, teremos no dia em que não precisarmos fazer nada além de sermos nós mesmas para recebê-lo.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Caju para os íntimos

por Cássia Juliana


Cássia Juliana, 34 anos, brasileira, natural de Belo Horizonte/MG, solteira (ora por opção ora por falta de opção), advogada, atriz, servidora pública, atleticana, consumista na medida, vaidosa, um pouco narcisista, um pouquinho egocêntrica, às vezes carente, às vezes totalmente autossuficiente. Uma balzaquiana normal, fã do Sex and The City.
Primogênita de três irmãos, nasci e fui criada em uma TFM (Tradicional Família Mineira), ou seja, pai repressor e mãe Pôncio Pilatos (sempre lava as mãos...). Lá em casa, educação sexual significava “nunca fazer”. Durante toda minha infância, adolescência e até mesmo parte de minha vida adulta, nunca pude fazer sequer a menção de ter interesse em homens. Para meus pais, eu era e deveria continuar sendo um ser assexuado.


Como toda criança, ouvia coisas na rua, na televisão e ia perguntar aos meus pais o significado das mesmas, por exemplo, o que era “Motel”. Lembro-me como se fosse hoje... Eu deveria ter uns 6 ou 7 anos e sempre ouvia nos programas de TV a palavra “Motel” e ficava intrigada com aquilo... Então, obviamente, ia perguntar à minha mãe – Mãe, o que é “Motel”? – resposta: Pergunta pro seu pai. – Pai, o que é “Motel”? – resposta: Pergunta pra sua mãe. E assim fui crescendo, até descobrir, por mim mesma, o significado da tal palavra.


Hilário mesmo, foi quando fiquei menstruada. Eu tinha 10 anos e estava em casa, só com a empregada. Quando fui ao banheiro e vi minha calcinha suja, corri para mostrar à moça, sem ter a menor noção do que estava acontecendo comigo. Quando ela viu, disse - Ih...Você ficou menstruada – e mandou eu colocar um bolo de papel higiênico no lugar. Quando minha mãe chegou em casa, contei a novidade a ela, que, assistindo a novela estava e assistindo a novela continuou, disse-me apenas – Ah é? Eu não preciso lhe falar nada não, né? Você já sabe tudo – Eu não sabia nem mesmo o quê eu tinha pra saber... Como é que eu já iria saber tudo? Enfim, sem saber nada, nem mesmo colocar um absorvente direito, eu respondi que sim.


Quando adolescente, não podia nem pensar em sair com meus amigos para ir ao shopping ou ao cinema, mas, como a vontade de me divertir era imensa, eu sempre pedia para ir e a resposta era sempre a mesma – Cê tá doida? - Para o meu pai, o mundo era uma bomba prestes a explodir, uma selva cheia de monstros, onde o único lugar seguro era a nossa casa e lá eu deveria permanecer trancada, salvo para ir ao colégio.


Bom, mas, graças a Deus, o tempo passa e eu cresci, fiquei adulta, comecei a trabalhar e ganhar meu próprio dinheiro. Quando isso aconteceu, eu fui à forra, recuperei anos de infância e adolescência trancados em casa, assistindo à TV. Dos meus 24 aos 27 anos, eu fui uma versão mineira da Rê Bordosa*. Minha vida era uma farra só. Homens, bebida, bebida, homens, homens e mais homens. Virava as noites em boates e depois ia direto para o trabalho. Foi uma época punk. Até que eu me cansei. A farra foi boa, mas perdeu a graça. Depois de me relacionar com um sujeito por 3 anos, quietei o facho. Fiquei caseira. O relacionamento foi um fiasco, mas foi bom para eu me desacelerar. É claro que ainda saio, tenho meus casos, tomo meu whisky, mas, hoje em dia, sou bem tranquila, não aguento mais muita confusão.


Por incrível que pareça, foi também já adulta que tive minha primeira consulta com um ginecologista. Devo confessar que, ao chegar no consultório, eu parecia uma adolescentezinha, não sabia várias coisas básicas, como, por exemplo, o funcionamento da pílula. Quando adolescente, não recebi qualquer tipo de orientação e, como ficava muito presa em casa, não tinha namoradinhos nem nada, então a pílula e outros métodos contraceptivos passaram despercebidos por essa fase da minha vida.


Tive sorte de achar um médico incrível. Além de excelente profissional, foi também um amigo, que, pacientemente, explicou a mim, uma mulher adulta, tudo sobre educação sexual, métodos contraceptivos, doenças sexualmente transmissíveis, uso correto da camisinha, até a tabelinha ele me ensinou.


Comecei a tomar a pílula aos 24 anos e, com apenas 6 meses de uso, tive que parar. Sou hipertensa. Por recomendação tanto do ginecologista quanto do cardiologista, não devo tomar pílula. Como método anticoncepcional, há 10 anos uso D.I.U., ao qual me adaptei muito bem, além da camisinha, é lógico.


Então é isso... Não sigo nenhuma religião, nem nenhum partido político. Não gosto de nada que vá me adjetivar como “vinculada”, sei lá, passa-me a ideia de prisão ou algo contra o qual eu teria que travar uma verdadeira batalha para me livrar, caso ficasse de saco cheio. Tá aí... Acho que o “solteira por opção” se encaixa nessa situação. Enfim, amada por uns, odiada por poucos... Só sei que sou assim.


* Rê Bordosa = personagem do Angeli.

domingo, 11 de julho de 2010

Começar de novo assusta, mas construir sempre é interessante...

por Renata Baldow


4/7/2010, 4h30min: Estou no meu período de descanso no plantão e aproveito para escrever...


Depois da formatura, resolvi fazer residência médica. Sabia que também não seria fácil, no mínimo quatro anos trabalhando exaustivamente, estudando loucamente e ganhando uma bolsa que sozinha não garantiria meu sustento, ou seja, além da carga horária da residência, teria obrigatoriamente que complementar a renda com plantões externos.


Estou no meu quarto ano, rugas, olheiras e privação de sono no currículo, quase acabando. E a tão pouco tempo do sonhado término, confesso que surge a angústia; daqui a poucos meses sairei de um ótimo serviço de medicina e desbravarei por conta própria algum cantão do Brasil.


Começar de novo, começar do zero, é um pouco assustador. Longe do glamour de outrora, ser médico não é fácil, aliás nunca foi. Longas jornadas, remuneração ruim, falta de boas condições de trabalho, exploração pelos planos de saúde, são alguns dos problemas que enfrentamos.


Para quem até pouco tempo tinha como preocupação principal a parte acadêmica da coisa, cair de cara no mundo real é um choque para o qual tento me preparar diariamente. Falta esta disciplina na faculdade e na residência: como se virar agora, como enfrentar novos obstáculos administrativos. Sinto que é mais um quesito a ser aprendido na prática, tenho bons exemplos a serem seguidos, mesmo assim, assusta partir do zero. O outro lado da moeda é que construir sempre é interessante, começos, recomeços, ter a chance do início, isso é bárbaro!


Tenho alguns meses para planejar como começar, mesmo que muitas vezes não sigamos os planos, enfim, tenho muitas dúvidas. Apesar de tudo isso, meu sentimento maior é de dever quase cumprido, é de agradecimento e de alegria por ter conseguido chegar neste momento da minha vida.


Considero-me feliz com minhas escolhas. Então, que venha o futuro!

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Atrás de novos objetivos é que eu vou...

por Renata Baldow


Caçula de quatro filhos (dois casais comigo), filha temporã (a diferença de idade para a minha irmã é de nove anos), nasci em Belo Horizonte há 30 anos.


Minha infância, ocorrida no Espírito Santo, foi interessante, cheia de correria, subidas em telhados/muros, jogos na rua, quedas de bicicleta e as cicatrizes residuais que ostento até hoje (com muito orgulho, sinais de uma infância feliz).


Cresci em uma turma de amigos que mantenho até hoje e são muitos os momentos compartilhados desde essa época. A passagem para a adolescência foi mais difícil, talvez por eu ter gostado tanto de ser criança.


Superada as crises, prossegui e, não posso reclamar, também aproveitei muito essa fase. Um período, diria, de ouro para mim, foi o do antigo segundo grau. Fiz o Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET/MG, ensino técnico, e mais do que uma boa escola, tive uma lição de vida. Convivi com pessoas as mais diferentes possíveis, fiz grandes amizades para a minha vida, cresci, amadureci. Apesar da opção de não continuar na área técnica, não me arrependo dos bons anos "cefetianos" e sinto que aqueles que cursaram o CEFET compartilham o mesmo sentimento.


Àquela altura, entreguei-me a um sonho antigo: ser médica. Foi uma decisão dura, pois justamente nessa época minha família passava por uma grave crise financeira e um curso de medicina, mesmo que numa faculdade federal, representaria um alto custo. Com o apoio de meus pais e irmãos, consegui passar no vestibular da Universidade Federal do Espírito Santo - UFES. Foi uma festa! Eu e minhas amigas subimos até em trio elétrico para comemorar.


A trajetória da faculdade foi penosa, seis anos dificílimos, mas novamente com a ajuda da minha família, do meu marido (na época, namorado), das amigas e amigos e das novas amizades da universidade (pessoas maravilhosas que encontrei na vida) concluí o curso.


Completo, agora em Julho, quatro anos de formada. A jornada não acabou, os sonhos se renovam e atrás de novos objetivos é que eu vou...

terça-feira, 6 de julho de 2010

Uma homenagem às corajosas mulheres que nos abriram caminho

por Renata Baldow

Achei por bem começar a falar sobre mim. Tenho 30 anos completos de forma tranquila, sou casada, não tenho filhos (graças à pílula). Sou médica residente, ou seja, estou em um momento de total entrega a profissão. Considero que fui muito bem criada por meus pais e agradeço-os por todos os bons exemplos dados ao longo desses anos. Meu pai é um homem que apesar de pertencer a outra geração, aprendeu a ser moderno em vários aspectos. Minha mãe também e talvez ela seja um exemplo do que a pílula significou (fora o impacto médico-epidemiológico) na vida da mulher, mesmo sem ter usado uma cartela sequer.

Ao possibilitar o direito da mulher em procriar ou não, a pílula abriu o precedente de se ter uma opção em outras escolhas na vida – casar ou morar junto, fazer faculdade ou não, trabalhar fora ou ser dedicada somente às tarefas do lar e por aí vai. Dentro desse contexto mulheres como minha mãe, a princípio criadas e moldadas para terem poucas escolhas, aprenderam a achar o que era melhor para elas e fizeram suas opções, certas ou erradas, mas coerentes com suas necessidades e convicções. As gerações subseqüentes de mulheres já tiveram a oportunidade de ter o direito da escolha embutido em sua criação.

Minha irmã, minhas amigas, eu, nós usamos a pílula, desfrutamos de seus benefícios e de tudo o que ela significou, mas penso que graças a mulheres como minha mãe, usuárias ou não da pílula, mas contemporâneas de uma era de mudanças, graças a elas, temos nossas opções respeitadas, construímos nossas vidas da forma que achamos conveniente. Nestes 50 anos de pílula presto minha homenagem a essas corajosas mulheres que nos abriram caminho. Obrigada às mães, tias, professoras, enfim todas vocês exemplos de vida e luta. Parabéns pelas conquistas!