segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O controle em questão

por Telma de Souza Birchal


Nas últimas décadas assistimos a um enorme aumento da capacidade do ser humano de agir sobre a natureza em geral, o que significou também a ampliação da possibilidade de controle sobre a esfera reprodutiva, mediante as biotecnologias. O cenário da humanidade hoje é outro do que em meados do século passado: as técnicas de reprodução artificial e o diagnóstico genético pré-implantação são uma realidade, tornando a reprodução cada vez mais um assunto submetido às escolhas mais que ao acaso. Altera-se também a maneira como as pessoas entendem as relações parentais e familiares, que assumem novos formatos. Colocam-se para o futuro, mais ou menos realisticamente, outras possibilidades de controle na forma de manipulação genética, da produção de bebês “à la carte” e da clonagem de seres humanos. Tudo isso provoca debates acalorados em nossa sociedade: a possibilidade de planejar, escolher, “desenhar” os filhos vem para o bem ou para o mal?


No entanto, antes mesmo de falarmos em inseminação artificial, clones ou manipulação genética, sem dúvida o mais significativo aspecto do controle facultado pelas biotecnologias em aspectos reprodutivos foi a invenção, há cinqüenta anos, da pílula anticoncepcional. Hoje, 100 milhões de mulheres no mundo fazem uso do medicamento (dados obtidos na Ciência Hoje) e a taxa de fertilidade no Brasil caiu de 5,8 filhos no início da década de 70, para 1,95 filho em 2009. Ao mesmo tempo, a participação da mulher no mercado de trabalho passou de 28,8% para 45,1%, segundo dados da Fundação Carlos Chagas e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esta revolução está, em grande parte do mundo, assimilada e não levanta mais problemas éticos de cunho geral. Permanecem: 1- a condenação, feita por Paulo VI em 1968 na Encíclica Humanae Vitae, de todo método que torne impossível a procriação, e 2- a proibição do uso do método por algumas outras confissões religiosas, além do catolicismo. As condenações baseiam-se, em geral, em concepções determinadas da ética sexual e do papel atribuído às mulheres. Há também críticas advindas de novos movimentos feministas, que ressaltam o valor da diferença e advogam a libertação das mulheres de um modelo de vida dominado pela lógica do mercado. No entanto, de maneira quase consensual, o uso da pílula e de outros métodos anticoncepcionais é visto como algo de positivo e que contribui, sobretudo, para a autodeterminação das mulheres e para o planejamento das famílias. Este é também o meu ponto de vista: a pílula aumentou a possibilidade de dissociar sexualidade e reprodução (o que é um ponto essencial da sexualidade humana) e de colocar a maternidade na esfera da escolha, o que só pode ser celebrado.

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