por Maria Izabel Brunacci
(Professora de literatura brasileira, autora da livro Graciliano Ramos, um escritor personagem e escritora no blog PedraPalavraVoz. Mãe de Angélica e Natália. Avó de Sofia e Laura)
Quando a pílula anticoncepcional foi inventada eu tinha apenas 5 anos e sequer imaginava o quanto essa invenção seria importante para me ajudar, anos mais tarde, a vivenciar aquilo que, posteriormente, ficou conhecido como “a liberação feminina”.
Em fuga de pequena cidade do interior, fui parar na capital, com o objetivo de todos os que participavam do verdadeiro êxodo da juventude nos anos de 1960 e 1970: trabalhar e estudar. Morando em república com mais oito ou nove meninas chegadas de diferentes cidades interioranas, iniciei em 1974 a difícil experiência de trabalhar oito horas por dia e estudar à noite, longe do carinho de mãe e pai, procurando desesperadamente um lazer barato nos fins-de-semana. Era o período da ditadura militar e as restrições à liberdade pesavam sobre nossos ombros, o que nos dava certa consciência política.
Claro que nessa experiência não poderia faltar o contato com homens de todos os tipos, desde os mais bem postos na vida até os estudantes duros. E as paixões, obviamente, aconteciam. Com elas o desejo de perder o medo, que fazia a gente perder a vergonha de ir ao ginecologista, à procura de métodos contraceptivos seguros. E era ela, a pílula, a primeira a ser recomendada para que pudéssemos exercer o direito de decidir o que fazer com nossos corpos, livres das amarras da moral hipócrita dos anos de 1960.
Para a jovem de hoje isso pode parecer banal. Mas para nós, naqueles tempos em que nossos corpos eram governados por nossos pais, mães e irmãos, isso era fundamental para nossa afirmação identitária como mulheres. Ser mulheres não mais como nossas avós, mães e tias, em forçada dependência de seus maridos; ser mulheres, sim, com todas as responsabilidades que isso implicava: garantir nosso próprio sustento, desenvolver carreira profissional, estudar para além dos cursos superiores conhecidos como “espera-marido”.
Evidentemente houve os escorregões que obrigaram uma ou outra a recorrer às aborteiras clandestinas, mas a maioria administrou bem o uso da pílula, dando início a uma onda de casamentos informais – nada de igreja, véu e grinalda – e à gravidez planejada. Não mais a gravidez indesejada, naquelas situações em que o remédio era casar para “reparar o erro” ou abortar.
Hoje, cinquentona, paro para prestar atenção no tipo de mulheres em que nos transformamos. Somos todas muito diferentes umas das outras: algumas foram muito bem-sucedidas financeiramente, outras nem tanto; a maioria de nós se casou e – admirem-se! – ainda vivem com seus maridos. Filhos? Algumas tiveram três, outras tiveram dois. Duas já são avós. Ideologicamente, são diferentes: algumas são conservadoras e religiosas, mas pelo menos duas se mantiveram à esquerda e agnósticas.
Mas uma coisa todas temos em comum: a pílula anticoncepcional fez parte da nossa vida e foi fundamental para que pudéssemos viver, enquanto assim o quisermos, como mulheres emancipadas e autônomas.