por Mariana Esteves
Como é difícil falar sobre a gente, tarefa mais difícil ainda quando temos de nos posicionar neste vasto universo. Será que a primeira categoria que me constrange e me limita no mundo é a do sexo? Como experiencio a vida enquanto mulher? É através do meu pequeno universo que posso falar algo sobre mulheres.
Minha bisavó materna foi mãe solteira, ateia e professora de português. Vovó Marlena casou com o filho único da bisa aos 13 anos e, no mesmo dia, parou de estudar . A bisa controladora estimulava o vovô a sair com moças mais estudadas porque vovó devia era ficar em casa cuidando dos filhos. Desse casamento à moda antiga nasceu mamãe, caçulinha, ovelha negra que enfrentava os flertes extraconjugais do vovô. Mamãe teve 12 namorados e não queria ter parado por aí, mas a vovó traída dizia "Separo de seu pai assim que você se casar". Não deu outra, mamãe conheceu papai e um ano depois no altar estavam. Mamãe não parou de estudar, mas digamos que foi desencorajada na vida profissional e uma década depois se divorciou.
Aos quatro anos, com muita birra, já estava de tchu-tchu colocando breu na sapatilha...minha brincadeira favorita mesmo era cozinhar, tinha um fogãozinho esmaltado com direito a trempe elétrica e forno, fazia salsichinha, bolinho embatumado e chá de hortelã para as visitas. Delirava com a Barbie e, sinceramente, não acho que a culpa da ditadura do corpo seja dela, nas palavras da amiga Laura: as moças mais bacanas de nossa geração se parecem muito mais com a Mônica. Mamãe sempre falou de sexo e papai nunca teve problemas com isso. Aos meus 16 anos, papai já dizia "Minha filha namore e conheça quantos rapazes forem precisos".
A adolescência foi assim um pouco distante do pai que se redescobria... foi no mundinho da mamãe que também aprendia com a gente. Morar com a mãe, descobrindo o mundo, e a irmã caçula é como aos 15 anos morar com suas melhores amigas, com direito a barraco e barraca na sala, crises aborrecentes sem fim. Aos trancos e barrancos, a gente descobre que nada nesse mundo faz a gente aprender e amar mais do que o erro e a dor. E que contos de fadas existem. Logo entrei na faculdade e lá as moças também comandavam. Hoje trabalho no setor cultural e, como é de se imaginar, os padrões de relacionamento e hierarquia sexual não são bem definidos . O namorado atual presenteia com gadets para câmera, fotografia depois de cozinhar é meu hobby preferido, e revista em quadrinhos sobre sexualidade feminina, grava filmes como "Sita Sings the Blues", "Persépolis" e "Offside" (filmes sobre lutas femininas em diferentes partes do mundo). A sogra foi quem criou o blog e me fez refletir sobre a condição feminina. Oras, ser mulher 50 anos depois da pílula pode ser maravilhoso!
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