reprodução parcial da crítica de Marcello Castilho Avellar publicada no Caderno Cultura do Estado de Minas de 1o. de Março de 2010
Quando alguém fala de Coco Chanel (1833-1971), a primeira coisa que nos vem à cabeça é moda. Afinal, ela foi a estilista mais importante da história, e sua influência pode ser sentida até hoje, quase 40 anos depois de sua morte, na maneira como as pessoas se vestem, cortam seus cabelos, pensam o figurino de filmes ou espetáculos. Mas a importância de Chanel vai além disso: ela foi uma das pioneiras da revolução do comportamento que marcou o século XX. O maior mérito de Coco antes de Chanel, dirigido por Anne Fontaine [um raro filme sob o olhar feminino], é a sutileza com que nos apresenta àquela revolução.
Vejamos um exemplo. Parte significativa daquela drástica transformação nos acontecimentos constitui-se no que nos acostumamos chamar de "revolução sexual" - que ocorreu ao longo de todo o século passado [séc. XX], mas teve seus momentos mais marcantes entre os anos 1960 e 1980. Coco antes de Chanel concentra-se principalmente nos anos de juventude da estilista, entre a época em que conheceu o barão Etienne Balsan (1908) e a morte do grande amor de sua vida, Arthur "Boy" Capel (1919) - bem antes da tal revolução sexual, portanto. Em dado momento do filme, Boy e Coco estão prestes a fazer amor. "É tão fácil despir você", diz ele. Está acostumado a mulheres cheias de anáguas, combinações, corpetes, enfeites, fechos em lugares desconfortáveis. Pela primeira vez, despe alguém que usa apenas um vestido simples e uma combinação.
Subitamente, o espectador toma consciência do quanto o sexo era complicado há apenas um século. Não era somente a proibição social que o tornava difícil. Aquela proibição havia forjado uma série de estruturas culturais que lhe garantiam a sobrevivência - entre outras, a pilha de roupas com que as mulheres eram sufocadas. Garantia de que às mulheres seria vedada qualquer atividade física intensa - trabalho de homem.
Coco antes de Chanel é um filme que nos lembra de que as proibições não bastam em si mesmas, necessitam de estruturas materiais para serem impostas às pessoas. A estratégia do conservadorismo seria, então, disfarçar a repressão a qualquer grupo, divulgando-o como algo ameno - moda, por exemplo. A importância de Coco Chanel foi perceber que essa estratégia poderia ser alterada: seus discurso e ação libertários não se realizaram em palanques ou parlamentos, mas na destruição sistemática dos mecanismos que aprisionavam as mulheres e na proposição de novos mecanismos que as libertassem - também disfarçados de algo aparentemente frívolo, novamente a moda.
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